sábado, 26 de novembro de 2011

Rio Paraíba (poesia)


RIO PARAÍBA

 (Sonetos shakespearianos)


I - O barquinho

Nos longes do rincão onde eu nasci,
um rio corre manso para o mar.
Desde o momento em que primeiro o vi,
a infância mais tenra a me embalar,
a suas águas barrentas se ligou
minh'alma, que daquela hora em diante
em momento algum jamais deixou
de escutar, inebriado, o radiante
farfalhar de suas águas nas marolas,
que vinham e batiam nos meus pés
- tão suaves como o arrulhar das rolas -,
e mais tarde banhavam o convés
do barco de brinquedo que, fagueiro,
cavara num tolete de pinheiro.

II - Os cais e o bonde

Nos longes do rincão onde eu nasci,
um rio corre manso para o mar.
De suas margens eu tantas vezes vi
Um vai-e-vem de pranchas sem cessar.
No correr das muralhas que o ladeavam,
No trecho em que a cidade se plantou,
velhos cais, na infância, me encantavam!
Só de os lembrar, minh'alma suspirou...
Relembro os bondes que, ao sair da praça,
corriam lado a lado junto ao rio;
e eu, em seu banco, em estado de graça,
sentindo doce e mágico arrepio,
era beijado pelo sopro agreste
e sibilante do vento nordeste.


III - As cheias

Nos longes do rincão onde eu nasci,
um rio corre manso para o mar.
Mas, de tempo em tempo, em frenesi,
suas águas a se agigantar,
tornadas mais barrentas e revoltas,
levavam troncos, folhas em seu bojo,
pedaços de casebres, tábuas soltas,
que a enchente arrebatava com arrojo.
Levantaram-se então diques de pedra,
desde lá longe e até ao Matadouro,
para conter o gigante que medra,
qual boiada em incontido estouro.
Mas a água, esbordada, se alastrou,
como lençol, nas ruas, que ocultou.


IV - A saudade

Nos longes do rincão onde eu nasci,
um rio corre manso para o mar.
Na alma, dor terrível eu sofri,
ao ser forçado a dele me afastar.
Nem sempre as veredas que a vida
nos traça acompanham o mesmo rio
junto ao qual a infância foi vivida,
e onde um batel era como um navio!
E hoje, tão distante do seu leito,
possuído por doce devaneio,
mesmo se confrangendo o meu peito,
como se mergulhado no seu seio,
vejo as pranchas, traqüilas, rio arriba,
nas águas do meu doce Paraíba.



                                                                                                                                                 A.C.W.C.de Azeredo

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