Carro de bois
Carro de bois! Quantas saudades me despertas
dos dias de minha infância, tempos doces em que a vida
me sorria a cada instante, tempos que não vão voltar...
Quand'hoje, algures, n'algum rincão distante
ainda escuto o teu choro insistente,
contigo chora a minha alma, lembrando a velha mangueira
sob a qual tu descansavas da dura lida diária,
no tempo em que eras só tu trabalhando em todo o canto
e eras pau p'ra toda obra.
Passavas cheio de cana, cavando no chão da estrada
profundos sulcos na lama, balouçando a cada passo;
mas valente prosseguias, como tu, só tu, podias,
enfrentando os atoleiros;
e se era tempo seco, os torrões não te impediam:
eras o rei de então,
tudo em teu dorso levando, colheitas, gente, mobílias,
sem conhecer empecilhos.
P'ra ti não havia fronteiras: ias, a fronte altaneira,
p'ra frente sempre marchando, os perigos desprezando:
não havia teu igual!
Mas, um dia, novos ventos no grande plaino sopraram,
e motores roncadores, esfumaçando o ar,
te mandaram para sempre para a sombra da mangueira,
onde d'antes tão-somente repousavas cada noite,
para logo, bem cedinho, no crepúsc'lo matinal,
a faina recomeçar.
Eu sei que tu não querias aquele ócio forçado:
teu vigor e majestade não se casavam com tal.
E na sombra calma e amena da mangueira te ficaste.
Mas é justo o teu repouso, para tu que labutaste,
por anos e anos a fio, enfrentando chuva e sol
da alvorada ao arrebol.
Descansa, carro de bois: é tempo de repousar!
E se hoje estás desprezado, não te importes,
pois p'ra mim és qual um rei, um vero herói do passado,
sonho vivo qu'inda pulsa no meu peito e em minha alma,
onde tu'ausência deixou, qual nas estradas de chão,
sulcos profundos e amados.
A.C.W.C.de Azeredo
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